O Relato Afetivo

16/06/2010

Otávio e seu capacete azul

Aproximadamente 90% de toda a fotografia produzida no planeta têm como objetivo registrar momentos familiares, relações de amizades e de convivência.

Desde que a velha e conhecida Kodak nos anos 40, do século passado, popularizou a frase: ”Press de Button, we do the rest”, (aperte o botão e nos fazemos o resto) a humanidade se mobilizou para produzir fotos de suas relações afetivas. As câmaras fotográficas se automatizaram, os filmes coloridos foram produzidos para suportarem erros de exposições até dois f stops para cima ou para baixo. Em contra partida os processamentos de filmes negativos coloridos eram adaptados a esses “erros” bem intencionados, de tal forma que um filme em uma máquina com 36 frames trariam de volta as 36 ampliações 10×15 cm, com leves desvios de cores, porém aos olhos da grande maioria, isso não faria diferença alguma.

Com a passagem para o digital esta atitude não se alterou, fotografa se hoje, ainda mais com o mesmo objetivo de construção de um relato de afetividade.

Mudaram os suportes, e as maneiras de compartilhamento. O velho álbum de fotos em papel no formato de 10×15 cm deu lugar a suportes digitais e álbuns virtuais.

O relato afetivo tem características interessantes. São fotos feitas a 1.60m do chão, o sentido da foto é horizontal, não são passíveis de críticas ou seleção, os enquadramentos são os mesmos. No final, as fotos perdem a autoria, pois são muito parecidas.

Desconfio que se a humanidade sofresse um colapso, e um alienígena que entendesse um pouco de fotografia aparecesse por aqui, acharia que na terra só teria tido um fotógrafo, tamanha a semelhança das fotos, independentemente do suporte que elas se encontrassem.

O mais interessante do relato afetivo é a constância da felicidade dos momentos fotografados e a total ausência das pequenas tragédias familiares, as tristezas e os acidentes não fazem parte desse relato.

Ao fotografar o Otávio, meu filho caçula, correndo no parque da cidade, lembrei-me disso. Suas correrias foram registradas como momentos de felicidade, porém um pequeno acidente, apesar do capacete, teria me obrigado a desligar minha câmara.

O acidente e as lágrimas ficariam sem registro.